A CRISE DA VIDA NAS REDES SOCIAIS
© Wilson García Mérida | Redação Sol de Pando em Brasília
A tragédia não pode ter sido demais ao jeito grego: o casal morrendo de mãos dadas, como dizendo que nem a morte poderia lhes separar apesar do suicídio assumido como o ultimo ato de amor nas suas vidas partidas, após o suicídio prévio de Bruna, a filha de ambos. Suicídio contra suicídio.
Nem Esquilo nem Sófocles teriam concebido um quadro tão helénico com os clássicos heróis de tragédia —um homem e uma mulher provenientes de Pará, o subtenente do Exército brasileiro Marcio Brito Borges e a enfermeira Claudineia Borges— se dando as mãos apertando elas com a força do suspiro final, ao momento de se deixar cair com a corda atada nos seus pescoços.
Aquele duplo suicídio cometido as 13 horas da sexta feira aconteceu no mesmo lugar onde dois dias atrás, as 17 horas da quarta feira, Bruna Andressa Borges, menina de 19 anos —filha de Marcio e Claudineia— se suicidou transmitindo seu enforcamento mediante o vídeo em tempo real da rede social Instagram.
Aquela garagem duma casa na rua Dom Bosco do bairro Bosque, em Rio Branco, foi o local duma tragédia familiar que estremeceu tudo Estado do Acre, enchendo grandes manchetes nos jornais. Nessa garagem em penumbras Bruna armou o cenário da sua morte transmitida ao vivo pela Instagram após anunciar o ato na sua conta de Facebook. Ai mesmo, 48 horas depois, os seus pais suicidaram se também.
O bairro Bosque é uma das zonas mais aprazíveis e abastecidas da capital acreana. Aqui mora uma classe media rio-branquense culta e laboriosa. Pessoalidades como Merica, o popular ídolo do futebol acreano dos anos 90, são representativos da paisagem humana neste bonito bairro com o nome de aldeia e floresta. Aqui habitam os funcionários do Exército brasileiro na chamada Vila Militar, sob a rua Dom Bosco, onde morava a família Borges. A tragédia que eles protagonizaram nos surpreendentes episódios um trás de outro, fizeram de bairro Bosque o foco da tristeza geral em toda a urbe e seus entornos nas estradas do Acre. Os vizinhos da casa dos mortos, como bons aldeãos, não falam com ninguém sob o acontecido por enquanto fazem respeitosa vigília nas portas da fatídica garagem, guardando os seus comentários e os seus juízos de valor —e tudo o que eles sabem—, só para a intimidade dos seus lares.
Mas nas redes sociais, a tragédia ficou como o show “viral” da semana.
Os heróis trágicos e o corifeu das górgonas digitais
“Estudante transmite suicídio ao vivo em rede social”, «Suicídio ao vivo – Antes de se matar estudante diz que quer ser livre e feliz«, foram algumas das manchetes da imprensa acreana que, como tudo o jornalismo no mundo contemporâneo, tem nas redes sócias Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram ou YouTube as fontes primarias das noticias de nova geração. Neste caso as fontes foram, além, o cenário duma tragédia grega com seus atores virtuais, mas horrendamente reais. Os jornais refletiram os feitos, tal qual, por enquanto as redes sociais projetaram a teatralização massiva duma desvalorização da vida humana e duma consagração da morte como espetáculo circense.
Nós assistimos ao surgimento duma geração humana virtual que vai construindo uma crua realidade nas redes sociais, onde a prodigiosa revolução tecnológica do Internet vai chocar com uma retrógrada involução ética, moral e intelectual fruto da crise estrutural na sociedade atual, num mundo onde ISIS decapita em nome de Alá, o mesmo que o cartel de Sinaloa em nome da cocaína. Num mundo onde a corrupção e o abuso de poder apodrecem a sangue e opacam o pensamento. Tudo isso “postado” e “viral” nas redes digitais. Já não é somente uma crise social, política, econômica e moral. É a crise da vida mesma, de seu conceito humano, mais lá das ruas e os lares, numa dimensão ainda desconhecida mas cotidiana já.
Nossos filhos ficam apanhados —numa total “solidão assistida”— dentro essa armadilha deprimente chamada redes sociais. É aí onde foi que Bruna Borges, longe de seus pais ainda que morava junto a eles baixo o mesmo teto, achou como o mais normal do mundo desafogar sua crise de angustia —fugaz talvez— na sua “linha de tempo” para ela anunciar sua morte pelo Facebook (“Já viram alguém morrer ao vivo?”, posteou) e se enforcando ante a câmara do Instagram.
Mas além dos heróis trágicos, os Borges, nesta tragédia grega não podem faltar as Harpias e as Górgonas, sem cujo corifeu perverso as redes sócias não poderiam ter o bom sucesso do qual gozam hoje no cyber espaço qual Hades do século XXI. A inocente menina deu sua vida para saciar a sede mórbida daquela plaga de predadores cibernautas que, soltos de corpo, são juízes e verdugos das vulneráveis honras e vidas privadas que caem neste fosso de infortúnio virtual. Falando deles, Humberto Eco escreveu:
“As redes sociais dão o direito de falar a legiões de idiotas que primeiro falavam somente no bar após dum copo de vinho, sem causar dano na comunidade. Então eles eram rapidamente silenciados; porem, agora, eles tem o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis”.
Dilemas éticos que ficam após do cyber suicídio
O suicídio como tal é matéria duma reflexão intensa nos círculos intelectuais do Estado do Acre; mas um cyber suicídio como o que protagonizou a bela moça Bruna Borges, e o grande impacto público que o fato alcançou, não estavam na mente de ninguém. As últimas postagens que Bruna deixou no seu muro de Facebook minutos antes de morrer tiveram milhares de compartilhamentos e “likes”, e outros tantos milhares de “comentários”, piedosos y carinhosos uns, condenatórios e injuriantes outros, e muitos deles carregados de frívolo e desrespeitador morbo.
“Já existe um batalhão de gente asquerosa fazendo mil ilações sobre a tragédia que envolveu o suicídio de uma jovem e seus pais” —protesta o jornalista Altino Machado—. “São mensagens de ofensas a eles, mesmo mortos. Como não conhecia a família, é meu dever não comentar a decisão dela e muito menos julgá-la. Cabe à polícia a investigação do caso, incluindo a eventual ocorrência de crime”.
“Essa informação deveria ser veiculada em um tom muito mais reflexivo do que um simples fato em si, ou seja, o suicídio”, comentou por sua parte o jornalista Luciano Tavares ao observar a labor dos seus colegas da imprensa local, e remarcou o seguinte: “sinceramente, ¿sabe o que me faz sofrer? É a sede que as pessoas têm em ter acesso a um vídeo de suicídio”.
Em efeito, entre os quase 15.000 “comentários” á ultima postagem de Bruna, achamos a seguinte conversação que é similar a muitas mais assim mesma:
Um rapaz escreve procurando o vídeo do suicídio: —“Onde tem esse vídeo?” E gera as seguintes respostas: —“Também queria”, disse outro rapaz. —“Mas não tem vídeo. No Instagram vídeo feito ao vivo apaga assim que insera transmissão”, aclara uma moça. —“Ah, entendi. Obrigado”, reponde o requerente. —“Acredito que alguém gravou, pois ouvi que foi compartilhado” agrega uma terceira assistente ao “velório digital”, e um quarto “condolente” remata: —“O vídeo só salva se a pessoa salvar. Mas como ela morreu quem achou deve ter desligado sem salvar”.
Esta irrupção massiva tão impertinente a um espaço reservado normalmente para o duelo familiar num âmbito rigorosamente privado, talvez foi causa pela qual os pais da menina sofreram uma angustia sobrecarregada que aos levou á determinação de se suicidar eles também, mas, de um jeito muito más fechado, com cartas póstumas pessoais direcionadas a seus familiares mais íntimos.
Ao sentimento de culpa por deixar á filha morando sozinha e vulnerável nas redes sociais, agregou se o efeito devastador dum cyber suicídio passional que teria desencadeado uma longa onda suicida a qual, inclusive, alcançou ao próprio namorado da menina, ao parecer o elo perdido nesta tragédia grega. O namorado, estudante universitário como ela, tentou também se suicidar após eliminar sua conta de Facebook, ingerindo um veneno nas últimas horas; mas foi salvo pela oportuna intervenção dos seus pais.
O escritor e promotor cultural acreano Isaac Melo expressou a sensação que “todos nós estamos mortos com essa família. Mortos pela incompreensão, pelo ódio, pela insensibilidade”.
As estadísticas do suicídio no Acre e o resto do Brasil
Estadísticas oficiais indicam que o Estado do Acre tem uma prevalência de suicídios entre jovens e adolescentes, major a media em tudo o Brasil. A nível nacional, a taxa de suicídios na população de 15 a 29 anos subiu de 5,1 por 100 mil habitantes em 2002, para 5,6 em 2014, um aumento de quase 10%, segundo dados do Mapa da Violência 2017. No Estado do Acre a taxa é de 5,8.
Segundo o Núcleo de Prevenção de Suicídio do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco (Huerb), no ano 2015 somente na capital foram registradas 180 tentativas, atendidas no Huerb, e 32 mortes relacionadas com suicídio. Em 2016, foram 141 tentativas e 26 mortes. Neste ano foram constatadas 50 tentativas e sete óbitos até o mês de abril, quando o jornalista Marcio Souza publicou estes dados no jornal AC-24Horas, sem contar os recentes casos da família Borges.
Porem a situação do Acre, não obstante a prevalência maior á média nacional, é parte integral duma problemática crescente em tudo o Brasil. Uns graus mais o menos de temperatura baixa num ou outro Estado, não muda o clima; o inverno é inverno para todo o país. O suicídio também. Num diálogo feito pelos jornalistas Altino Machado e Carlos Wagner, o colega gaúcho explicou o seguinte ao acreano: “No Rio Grande do Sul, especialmente a região de onde venho (Vale do Rio Parto), o suicídio é uma epidemia…”.
Essa epidemia tem características regionais, mas é a mesma doença nacional.
A causa principal das mortes auto infringidas é a depressão; mas a causa da depressão é diversa e complexa. Em geral, a crise econômica é o fator que desencadeia tendências suicidas, ou pelo menos gera fraquezas e vulnerabilidades físicas e morais, individuais e coletivas.
Do vulnerável jovem Werther á assassina Baleia Azul
Nas crises, o aprecio pela vida e pela dignidade das pessoas perde valor, inclusive cultural. É crescente o número de meninos e adolescentes que suicidam se, geralmente por causas sentimentais ou muito subjetivas. É o síndrome do jovem Werther, personagem de Goethe no século XVIII quem se quita a vida por causa duma decepção amorosa. Versões modernas do Werther no cine e na TV, e agora também nas redes sociais, puseram “de moda” a ideia que “morrer por amor” é um ato heroico e romântico. Esta tendência fica incorporando menores de idade cada vez mais numerosos na população potencialmente suicida. Trata se de uma geração sem a devida educação pelo apego á vida.
No abril deste ano, no Acre e noutras regiões do Brasil explodiu uma onda suicida com o jogo viral da «Baleia Azul» nas redes sociais, Facebook e WhatsApp principalmente. Meninos em idade escolar foram manipulados mental e psicologicamente por “hackers” criminosos os quais, como parte de crimes extorsivos mediante “desafios” em rede, induziam aos meninos se infringir feridas até morrer ainda, ou assassinar outros meninos. As vitimas, no Acre, Rio de Janeiro, Minas Gerias e Pará, oscilavam dos 10 as 16 anos de idade.
A Diocese de Rio Branco, mediante o prestigioso sacerdote Massimo Lombardi, mobilizou aos pais de família organizando lhes pra assumir controle do aceso dos meninos as redes sociais, por enquanto a Polícia logrou desbaratar a banda criminosa que gerava essa escalada suicida na criançada. “O jovem se entrega à Baleia Azul porque perdeu seus ideais. Um jovem normal não vai se entregar a uma facção, à Baleia Azul. Falta ideais. Quando uma pessoa perde o ideal pra viver, a consideração pelos pais, se entrega às drogas, torna se vulnerável. Falta referência. Às vezes decepcionado com a religião, com a política, com a escola”, reflexionou o sacerdote, invocando um retorno á Fé nos ideais éticos do cristianismo “para recuperar o gosto pela vida”.
Num artículo escrito pela prestigiosa pediatra e psicóloga brasileira Ana Escobar no jornal O Globo em 24 de abril deste ano (os dias nos quais aconteciam os ataques da «Baleia Azul»), a científica afirma que as redes sócias vem suplantando o rol dos pais na formação da personalidade hoje enfraquecida dos meninos. “As centenas de ‘amigos’ que fazem nas redes sociais não dão conta de segurar o isolamento e a solidão que muitos jovens sentem. De fato, nas redes sociais, a regra geral é travestir-se no melhor ‘personagem’ de si mesmo, com a melhor foto, em que todos aparecem bem sucedidos, fortes, vigorosos, vencedores, passando pelo mundo com uma felicidade que nunca terá fim”.
No fundo de essa aparente fortaleça, só virtual, aparente, esconde se uma pessoalidade solitária e deprimida, a “soledade multitudinária”, potencialmente suicida.
Para Umberto Eco, o problema das redes sociais “não é somente reconhecer os riscos evidentes, se não também decidir como acostumar e educar aos jovens a usar delas duma maneira crítica”.
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