Data: diciembre 25, 2013 | 21:28

Resex Chico Mendes aposta em novo modo de interação com a natureza

A Resex está organizada em 60 seringais integrados por varadouros e ramais 1 Foto Sérgio Vale

A Resex está organizada em 60 seringais integrados por varadouros e ramais 1 Foto Sérgio Vale

© Maurício de Lara Galvão | Agência de Notícias do Acre

Com uma área de quase um milhão de hectares e dez mil pessoas vivendo da caça, coleta de produtos florestais, pequena agricultura de subsistência e pecuária em pequena escala, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes foi criada em março de 1990, com o objetivo de proporcionar ao homem que vive na floresta acreana as condições ideais para viver dignamente com os recursos florestais disponíveis. Seus ocupantes serão, ao mesmo tempo, os guardiões e mantenedores destes recursos.

As Resex são o resultado de um movimento social liderado por seringueiros que arriscaram a vida em embates desiguais com as forças econômicas sustentadas pelo poder político estabelecido, inaugurando a possibilidade de uma reforma agrária ambiental e um modelo de desenvolvimento que considerasse tanto as demandas por saúde e educação, quanto as relacionadas às tecnologias de utilização da Floresta Amazônica: um dado inteiramente novo na história dos movimentos da sociedade civil do século 20.

Nas palavras de Mary Alegretti, cientista social que participou ativamente das discussões que culminaram na criação das Resex e colaboradora incansável de Chico Mendes, “um movimento social que defendia a floresta para sua própria sobrevivência, aliado a um movimento ambiental que defendia o planeta para assegurar a sobrevivência da humanidade, poderia ser fruto da imaginação perfeita de um visionário se não fosse o fato de que aquelas pessoas, aquelas ideias e aquelas ações estavam juntas naquele espaço e naquele momento para tornar realidade o que seria teoricamente improvável, até pouco tempo atrás”.

Passados 23 anos desde sua criação, a Resex Chico Mendes está organizada em 60 seringais integrados por varadouros e ramais para escoamento da produção e serviços essenciais, tendo a concessão de uso aos moradores sido repassada por meio de contrato coletivo em nome das três associações representativas – a Amopreab, a Amopreb e a Amoprex – , com usufruto para filhos e netos. A Reserva possui os instrumentos necessários para a sua gestão, com Plano de Manejo, Plano de Utilização e Contrato de Concessão de Direito Real de Uso, com as regras necessárias para as atividades pertinentes.

Viver na reserva depende de um perfil extrativista, e as famílias moradoras se comprometem a não realizar atividades predatórias que descaracterizem os recursos naturais disponíveis. A reserva também possui tanto o ensino fundamental quanto o médio, ofertado principalmente por meio do projeto Asas da Florestania, tendo quase a totalidade de seus jovens na escola. De acordo com o último censo, realizado em 2009, 95% dos moradores não abririam mão de suas colocações, cada qual medindo aproximadamente 300 hectares, para trocá-las por uma vida comprimida nas cidades.

A gestão compartilhada

Abrangendo os municípios de Rio Branco, Capixaba, Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri e Sena Madureira, compondo um mosaico de realidades não homogêneas e com necessidades diferenciadas, a Resex Chico Mendes é atualmente administrada e fiscalizada por um órgão federal, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), sendo os extrativistas divididos em cinco Associações Concessionárias que, em conjunto com o ICMBio, decidem as ações a serem desenvolvidas. Mesmo com a perspectiva de ampliação de seu quadro, o ICMBio conta apenas com sete funcionários para realizar esta interlocução com comunidades não homogêneas distribuídas por uma área comparável à da Bélgica.

O beneficiamento de castanha e a produção de látex ajudam a agregar valor econômico e fortalecem a produção extrativista (Foto: Angela Peres/Secom)

Para o analista Ambiental e funcionário do ICMBio, Anselmo, seria preciso a estrutura e orçamento de uma prefeitura de porte considerável para administrar tantas diferenças e necessidades. A solução encontrada para se contrapor à fragilidade da falta de pessoal foi o estabelecimento, em 2012, de um novo modelo de gestão compartilhada, visando congregar e aprofundar as ações dos atores responsáveis pelas políticas públicas socioambientais (Sema, Imac, Setul, IMC, SAI, Sedens, SEE, Sesacre, Ibama, ICMBio/CNPT), com associações comunitárias e outras organizações não-governamentais como o  CTA, CNS, WWF, SOS Amazônia e GIZ.

O resultado foi a criação de uma central de gerenciamento capaz de congregar as ações dos órgãos estaduais e federais, de forma a atuarem juntos em favor dos extrativistas, elaborando processos a serem construídos, validados e monitorados pelo Conselho Gestor Deliberativo da Resex. Foi o primeiro plano brasileiro de gestão compartilhada envolvendo um governo de Estado e o ICMBio, uma autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, responsável pela administração das UCs federais em todo território nacional.

Ações para o desenvolvimento socioeconômico

Diversas ações estruturantes visando o desenvolvimento socioeconômico, dentro de critérios sustentáveis, foram implementadas na Resex ao longo de seus 15 anos, por meio de parcerias feitas pelo governo do Estado, instituições financeiras nacionais e internacionais, além dos órgãos federais. A fábrica de camisinhas Natex e a indústria de beneficiamento de castanha, que já é o segundo produto na pauta de exportações do Acre, ajudaram a agregar valor econômico e fortaleceram a produção extrativista. O governo também investiu em Planos de Desenvolvimento Comunitários, os PDCs, instrumentos de gestão territorial consolidados no governo de Tião Viana.

Os planos realizam in loco o levantamento das necessidades de uma determinada comunidade procurando, de forma democrática e participativa, facultar à mesma os instrumentos e incentivos necessários para seu desenvolvimento. Foram cem planos elaborados em 2012 para as comunidades rurais, sendo a Resex contemplada com 18 deles, traduzidos em investimentos na ordem de R$ 1,8 milhão e contemplando 576 famílias, principalmente no recolhimento da castanha, criação de animais, centro de formação e escoamento da produção.

Mais recentemente, a Resex vem se estruturando para realizar experiências com manejo madeireiro comunitário e, ainda neste ano de 2013, utilizando recursos provenientes do Ministério da Pesca, a Seaprof deu início à construção dos primeiros 140 açudes, como forma de agregar complementação na renda e maior segurança alimentar, reintroduzindo o peixe no cardápio de muitas famílias. As considerações sobre as ações governamentais também estariam incompletas se não mencionássemos o apoio à criação de abelhas sem ferrão e boas práticas no cultivo do açaí que poderão, por sua vez, agregar ainda mais possibilidades de crescimento e bem-estar às famílias extrativistas.

Áreas de conflito e criação de gado

Dentro da lógica de um desenvolvimento sustentável, não se pode negar a pressão efetivada por modelos econômicos tradicionalmente não vinculados à manutenção dos recursos naturais, mas que, ao contrário, degradam o meio ambiente e operam pela lógica da concentração da renda e dos territórios. Falando francamente, é o modelo dominante no qual nos movemos e nos estruturamos, realizamos planos e pagamos nossas contas.

O que é proposto dentro das Reservas Extrativistas é exatamente o oposto, ainda que as atividades ali desenvolvidas dependam de uma economia saudável e infraestrutura minuciosamente planejada para sua plena efetivação. Uma reserva extrativista é baseada em bens de usufruto coletivo, sua economia é pautada na distribuição equitativa de renda e ela jamais se estrutura em territórios imensos dedicados a monoculturas e criações extensivas. Em resumo, é uma experiência recente do ponto de vista histórico, e está repleta de desafios.

Responsável pela maior parte das receitas no Acre, o gado bovino tem recebido incentivos fiscais e apoio suficientes para a manutenção e ampliação de suas atividades, restritas às áreas já degradadas delimitadas pelo zoneamento ecológico-econômico do estado. No atual governo, alternativas de uso do pasto consorciado com árvores nativas e exóticas rentáveis – como as Teca – , a piscicultura, criação de pequenos animais e mesmo a introdução de Sistemas Agroflorestais (Safs), começam a ser propostas dentro destas áreas, buscando para as mesmas um modelo mais sustentável,  baseado na diversificação e atividades agropastoris.

Ocorre que o gado bovino atualmente ainda oferece um retorno econômico mais rápido e efetivo que as atividades baseadas no extrativismo ou mesmo na diversificação da produção. Esta realidade é brasileira, não se restringe ao Acre. E, por mais que existam ações e estratégias acreanas de uso sustentável sendo aplicadas atualmente nas Resex pelos governos estadual e federal, – e elas de fato existem – estas ainda não possuem escala e pessoal suficientes para se transformarem em alternativas tão sedutoras e de retorno quase imediato, como a criação de gado.

No entanto, ainda é erro de avaliação afirmar que a pressão exercida pelas facilidades inerentes à criação de gado, permitido dentro da Resex em até 30 cabeças por colocação, esteja se tornando a franca opção dos moradores por inexistência de alternativas ou atividades sustentáveis. A pressão pelo gado bovino existe em virtude de um modelo cultural e econômico que seduz principalmente os moradores onde a cobertura vegetal é tradicionalmente mais degradada, como os seringais Rubicon e Santa Fé.

Dentro de uma dessas áreas, foram entrevistadas famílias de proprietários ameaçadas de expulsão por terem investido em grandes rebanhos, que garantiram que se adequariam aos parâmetros da reserva, se lhes fossem propostas alternativas econômicas para áreas mais degradadas, como a introdução de Safs e piscicultura, por exemplo. De acordo com Silvana Souza Lessa, gerente do ICMBio na Resex Chico Mendes, dados do senso de 2009 apontaram que apenas 11 famílias, das duas mil que vivem na Resex, extrapolavam a marca das 30 cabeças permitidas.

Segundo o governador Tião Viana, o gado em escalas superiores ao permitido na Resex Chico Mendes tende a desaparecer nos próximos anos. “Estamos dando condições substitutivas como os tanques de peixe, por exemplo, em que somente uma base comunitária nos pediu 40 deles. Também continuamos plantando seringueiras a todos que queiram substituir as atividades em campo aberto, de modo facilitado, disponibilizando a mecanização, promovendo o plantio de frutíferas e apoiando as atividades de turismo na região, de maneira que tenho certeza que o gado excessivo na reserva está com seus dias contados, porque as pessoas terão atividades econômicas vantajosas que as retirarão dessa dependência que ainda existe por necessidade, estamos bem cientes disso”, afirmou.

O real significado da Resex Chico Mendes

Em termos históricos, a elaboração e efetivação de uma reserva extrativista – sonho de Chico Mendes e seus companheiros – é  algo inusitado e novo, frágil ainda pela sua mocidade e sob riscos concretos, por se opor ao modelo econômico já consolidado. Mesmo intelectuais de peso como o economista Celso Furtado, de imediato não entenderam as reinvindicações dos seringueiros: Furtado a princípio não viu sentido na criação da reserva, afirmando que não existia uma cultura extrativista, uma vez que era uma das atividades mais primitivas da humanidade, própria aos estágios mais elementares do progresso humano, cuja superação era uma condição “inevitável” ao desenvolvimento. A reação dos seringueiros, diante do então Ministro da Cultura, foi imediata, afirmando que havia sim uma cultura da floresta, que eles não eram primitivos, que buscavam formas de melhorar a renda e a produtividade, mas que não compreendiam que progresso poderiam almejar saindo da floresta, seu verdadeiro lugar.

A reserva foi criada com o para proporcionar as condições ideais para o homem viver dignamente com os recursos florestais disponíveis (Foto: Angela Peres/Secom)

A reserva foi criada com o para proporcionar as condições ideais para o homem viver dignamente com os recursos florestais disponíveis (Foto: Angela Peres/Secom)

No entanto, a verdade é que políticas que facultem sustentabilidade econômica e ambiental envolvem um conjunto de ações estruturantes nada primitivas, que vão desde a educação diferenciada e adaptada à realidade florestal, à criação e manutenção de uma cadeia produtiva que não agrida ao meio ambiente e que aposte na rentabilidade a médio e longo prazo. Envolve pesquisa científica realizada em nossas universidades para a detecção de produtos florestais passíveis de inserção no mercado, apoio técnico abrangente e permanente, atenção aos anseios das comunidades que devem definir os rumos de seu crescimento, além de fiscalização e adequação dos pactos estabelecidos. Isso demanda tempo, organização e investimentos muito bem planejados para rendimentos em médio e longo prazo.

Segundo as informações da gestora da unidade, Silvana Lessa, ao longo destes 23 anos de criação, a reserva mantém-se firme aos objetivos propostos: a manutenção dos extrativistas e a conservação da floresta. De fato, o desmatamento acumulado não ultrapassa os 7%, desmitificando afirmações que apostam na supremacia das motosserras.

“A criação da Resex Chico Mendes fez com quem politicas públicas fossem criadas com especificidades para o extrativismo, valorizando a cultura e a permanência dos extrativistas. Obviamente, precisamos caminhar com um olhar para o século XXI, é indispensável que a sociedade veja a realidade local, desmitificando a figura do seringueiro com uma roupa rasgada e poronga na cabeça a coletar o látex. Hoje a realidade é diferente, muitos vão para suas estradas de moto e suas casas possuem o mesmo conforto de uma casa urbana, com geladeira, fogão a gás e televisão, mas esses seringueiros não esqueceram o caminho das suas estradas nem sua origem. Chico Mendes os alertava que a criação da reserva não era o fim da história, apenas o início de uma luta para que os extrativistas pudessem viver com dignidade e a floresta respirar em paz”, afirma.

A força e o apelo que a Resex exerce nos brasileiros e no mundo não está de forma alguma na possibilidade de facultar rendimentos imediatos, no mesmo nível do capital predatório. Ela representa uma nova e mais apropriada maneira de se relacionar com a natureza e o próprio semelhante, favorecendo relações de compromisso e cooperação em todos os seus níveis, em vez de privilegiar a competividade e o exclusivismo. Em resumo, é emblemática por corajosamente introduzir modelos viáveis para que a humanidade não esgote seus recursos e possa continuar se desenvolvendo com segurança, dignidade e alguma sabedoria nas próximas décadas.

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