Data: marzo 8, 2018 | 11:52
UMA ENTREVISTA MEMORÁVEL EM RIO BRANCO | Lembrando Tereza de Benguela, a rainha quilombera do Guaporé...

Almerinda ou a lucidez libertária de 50 milhões de mulheres negras no Brasil

Almerinda Cunha: O feminismo negro do Brasil é baseado em uma realidade de discriminação racial que questiona muitos paradigmas conservadores no feminismo em geral. | Foto Jeanduly Mendes – Sejudh

A densidade populacional das afro-brasileiras (50 milhões delas) representa uma cantidade cinco vezes maior á população total da Bolívia com 10 milhões de habitantes segundo o último Censo de População e Vivenda, e dez vezes maior á população total de Noruega. O 25 de julho celebrou-se o Día da Mulher Negra Brasileira, ocasião na qual Sol de Pando entrevistou Almerinda Cunha, uma das líderes afrodescendente mais destacadas do Acre…

© Wilson García Mérida | Redação Sol de Pando em Rio Branco | Fotos: Jeanduly Mendes – Sejudh

© Texto original publicado em espanhol, 27 de julho, 2016 | Tradução: o mesmo autor

Almerinda Cunha, lutadora lendária pelos direitos das mulheres afrodescendentes no estado do Acre, cercado por outras líderes do movimento feminista negro brasileiro. | Foto Sejdhu

Em 25 de julho de 1992, na República Dominicana, realizou-se o Primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas, onde começou um debate continental sobre o feminismo das mulheres negras que estão imersas em uma luta de gênero pela igualdade real em todas as áreas. No Brasil aquela data, 25 de julho, foi instituída como o Dia Nacional de Tereza de Benguela por lei promulgada pela presidenta Dilma Roussef em 2014, vindicando para a história contemporânea a memória épica da rainha quilombera do Guaporé.

Este ano, todas as organizações da sociedade civil e instituições do Estado celebram desde o passado 15 de julho a Quarta Quinzena da Mulher Negra. Em Rio Branco, capital do Estado do Acre, as atividades são organizadas pelas direcções de igualdade de género e raça da Prefeitura e do Governo do Estado através da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh). Dois dos intelectuais da esquerda libertária mais esclarecida do Acre —Fabio Fabricio, diretor da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semcas), e Nilson Moura Leite Mourão, Secretário de Estado da Sejdhu— foram os principais promotores do evento.

O Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado do Acre, Nilson Mourão, presidiu as atividades da Quinzena da Mulher negra em Rio Branco. | Foto Jeanduly Mendes – Sejudh

Sol de Pando participou numa das conferências principais feita na Biblioteca Pública, na segunda-feira passada, com o tema «Objetivo e Empoderamento da Mulher Negra» exposto por três palestrantes afro-brasileiras de alto nível como Jaycilene Brasil, Elza Lopes e Almerinda Cunha.

Ao ouvir as dissertações, poderíamos entender que a lógica ancestral do quilombo —como uma estrutura autorepresentativa e autogestionária na esfera política e econômica e como uma estratégia libertária no ideológico e no social—conseguiu sobreviver superando os séculos na memória afro-brasileira, e sobre tudo entre as mulheres negras que, seguindo o exemplo de Tereza de Benguela, desenvolveram um potencial de resistência e organização capaz de ser transversal na sociedade civil e produzir efeitos estatais, apesar do racismo e da discriminação que também persistem nas estruturas neocoloniais de poder político e dominação social.

As plataformas de mulheres negras espalhadas por todo o território brasileiro são os quilombos do século XXI. Estas organizações de base são reforçadas com a ação direta dos «Empates» ou cordões de índios, pretos e pobres mestiços com os quais os seringueiros da década de 80 no século passado, à frente de Chico Mendes, revolucionaram o Acre desde Xapurí, em torno da defesa da floresta amazônica.

Maioria da população exposta ao feminicide

Fabio Fabricio, diretor da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semcas), juntamente com o público num fórum social. | Foto Jeanduly Mendes – Sejudh

Um dos dados que nos surpreendeu naquela conferência a três vozes realizada na Biblioteca Pública de Rio Branco, foi a cantidade de mulheres negras que vivem no Brasil: 50 milhões, de um total de 200 milhões de habitantes do território brasileiro, dos quais 51% são mulheres de todas as raças. As afro-brasileiras são quase o 25% do total nacional da população. As 50 milhões de mulheres negras no Brasil representam cinco vezes a população da Bolívia, com pouco mais de 10 milhões de habitantes de acordo com o último Censo de População e Habitação em nosso país e dez vezes a população total da Noruega.

E, apesar de sua predominância populacional, as afrodescendentes —de mãos dadas com as mulheres indígenas— sendo a população mais excluída e discriminada na política e na sociedade. Sua presença legislativa não excede 9% dos assentos parlamentares, explicou Jaycilene Brasil.

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), expostos no fórum, indicam que ser negra no Brasil significa sofrer intensas desigualdades e severas exclusões, como nos campos profissional e trabalhista, por exemplo. O 71% delas sobrevivem em ocupações precárias e informais em comparação com 54% das mulheres brancas na mesma situação de trabalho e 48% dos homens brancos. O salário médio de uma trabalhadora negra continua a ser metade do salário de uma trabalhadora branca na mesma posição no setor privado. As diferenças raciais em termos de escolaridade e acesso à Universidade são semelhantes às do local de trabalho. O feminismo negro do Brasil, portanto, é baseado em uma realidade de discriminação racial que questiona muitos paradigmas conservadores no feminismo em geral.

Além da exclusão e discriminação racial, o feminicídio tornou-se o genocídio do século 21 para mulheres negras no Brasil.

Segundo um » Mapa da Violência» elaborado no ano passado pela Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (Flacso) sobre as taxas de homicídios das mulheres brasileiras, as afro-descendentes são as menos protegidos contra a onda de crimes: durante a década 2003 – 2013 —aponta dito documento patrocinado pela ONU— o assassinato de mulheres negras aumentou 54,2%, isto é, de 1.864 assassinatos em 2003 para 2.875 mortes violentas em 2013. E o paradoxo é que, no mesmo período, a taxa de crimes similares perpetrados contra mulheres brancas caiu 9,8%: de 1.747 mulheres brancas assassinadas em 2003 para 1.576 em 2013.

Este panorama é o contexto no qual as 50 milhões de mulheres negras do Brasil, representadas de muitas maneiras, desenvolveram na década passada estratégias de «empoderamento e visibilidade» que resultaram em leis importantes aprovadas e as instituições criadas para evitar uma nova decapitação —simbólica e massiva— da heroína negra do século XVIII Tereza de Benguela. Mas os avanços alcançados são sempre sob a sombra da regressão.

A lucidez de Almerinda Cunha

Almerinda Cunha: «O golpe contra a nossa Presidenta foi um golpe de gênero, de raça e de classe… Foi um golpe misógino». | Foto Jeanduly Mendes – Sejudh

Ela é a responsável executiva da Direção para a Promoção da Igualdade Racial da Sejudh. Almerinda Cunha percorreu o longo caminho das lutas sociais sob a mesma trilha de Tereza de Benguela e milhares de mulheres afrodescendentes que derramaram seu sangue exigindo igualdade pra seu gênero e sua raça.

É uma lenda viva no Estado do Acre, orgulho do Partido dos Trabalhadores, cujo governo conferiu o Prêmio Estadual de Direitos Humanos em 2012. Professora de profissão com pós-graduação em Educação Superior, é casada com o pedagogo Luiz Carlos de Oliveira e tem dois filhos. Ela forjou sua figura combativa nas lutas sindicais e, em sua densa carreira, concentra quase todos os problemas das mulheres negras brasileiras desde que chegou no Acre em 1971 de seu Porto Velho natal (Estado de Rondônia).

Na década dos oitenta, ela foi perseguida pela morte durante uma manifestação de estudantes, em frente ao Palácio de Rio Branco, á qual ela apoiou como líder do professorado acreano. E das lutas sindicais se envolveu com a defesa das camponesas na sua luta pela terra; e uma experiência própria no seu primeiro casamento tornou ela em militante inquebrantável da luta contra a violência de gênero sofrida pela maioria das mulheres negras no Brasil. Participou na criação da Associação de Mulheres Negras do Acre.

Sol de Pando teve o privilégio de falar com ela algumas horas após finalizaram os atos centrais do 25 de julho. A lucidez com a qual examina a conjuntura é singular. Na realidade diária das mulheres negras brasileiras, os preconceitos que justificam ideologicamente e moralmente a escravidão de quatro séculos atrás permanecem. «O racismo, para justificar a escravidão», diz ela, «criou um padrão de beleza onde a mulher negra é pra transar e a mulher branca para se casar«. É a escravidão moderna, agravada pela alta taxa de mortalidade, criminalização e prisão de homens negros. De acordo com Almerinda, prevalece para as mulheres negras «uma situação de desvantagem no mercado do casamento, e é por isso que existe uma taxa elevada de mães solteiras que entram no mercado de trabalho em condições de terríveis desvantagens e desigualdades em relação às mulheres brancas. E para compensar, nossos filhos são os que mais sofrem com a violência do bullying nas escolas«.

Sua luta começou ter significado histórico e resultados efetivos desde o ano 2012, quando o governo de Lula Inácio da Silva promulgou a Lei que criou o Sistema Nacional para a Promoção da Igualdade Racial (Senapir), o que permitiu a posta em vigência do Estatuto da Igualdade Racial que reconhece e promove os direitos históricos da oficialmente denominada População Negra. Neste contexto, por exemplo, o Plano Nacional de Saúde Integral para a População Preta foi instituído, e com um espírito semelhante, planos educacionais, econômicos e culturais estão em vigor com orçamentos que são proporcionais à magnitude desses programas.

A abrupta destituição da presidenta Dilma Rousseff colocou baixo a penumbra da regressão esses avanços notáveis do movimento feminista negro brasileiro, adverte Almerinda Cunha.

O Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (MMIRDH), também criado por Lula, foi eliminado da estrutura estatal no atual Governo e, portanto, centenas de programas e projetos aprovados para promover as conquistas das mulheres negras especialmente, foram deixados sem seus orçamentos ou sofreram cortes drásticos que os condenam à ineficiência.

«O golpe contra o nossa presidenta foi um golpe de gênero, de raça e de classe«, diz Almerinda. «Foi um golpe misógino«, protesta ela, repetindo palavras de Nilma Lino Gomes, a primeira e última afro-descendente que foi Ministra das Mulheres no Brasil, durante o governo de Dilma Rousseff.

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